Assinala-se este sábado, 26 de abril, o Dia Mundial da Propriedade Intelectual. Nesta data, importa refletir sobre o impacto do consumo ilegal de conteúdos em contexto digital, que prejudica as indústrias criativas, a economia e a segurança dos cidadãos.
Segundo o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), cerca de 288 mil lares em Portugal acedem, por mês, indevidamente a serviços digitais e audiovisuais pagos, como as IPTV ilegais. Estima-se que um milhão de portugueses já tenham consumido conteúdos pirata, com maior incidência entre os jovens: 34% das pessoas entre 15 e 24 anos transmitem ou consomem pirataria, a quarta taxa mais elevada na União Europeia (UE) e Reino Unido.
Os conteúdos desportivos lideram o consumo indevido: 48% na UE e 54% em Portugal. O streaming é o meio mais utilizado (95% dos casos). Não por acaso a Polícia Judiciária lançou recentemente uma campanha de sensibilização dirigida aos consumidores, à qual a APRITEL se associou, intitulada “Não é só um jogo. É crime” – e é mesmo. Tal como não é só um videojogo, um filme ou uma série. São crimes.
As consequências são alarmantes: a pirataria representa uma perda potencial de 250 milhões de euros/ano para a economia nacional, de acordo com dados do Governo (atualizados à luz da inflação) e constitui uma quebra na receita fiscal (IVA e IRC) de 78 milhões. A indústria audiovisual é penalizada em 150 milhões/ano e o setor dos media vê agravada a sua crise. A cadeia de valor das indústrias criativas é duramente afetada — autores, artistas, produtores, realizadores, distribuidores e operadores são todos prejudicados. Este fenómeno contribui para a destruição de empregos e reduz a capacidade de produção cultural e desportiva no país.
Os aspetos negativos extravasam a dimensão económica. A Europol e a Interpol têm demonstrado que há fortes ligações entre pirataria digital e redes de criminalidade organizada, incluindo burlas, branqueamento de capitais e até terrorismo. Isto para lá do risco cibernético imediato em que os utilizadores incorrem. Em média, bastam 71 segundos para que, através de um streaming ilegal, o equipamento utilizado fique comprometido com malware.
Quem acede a sites ou aplicações piratas fica especialmente exposto: segundo um estudo da Audiovisual Anti-Piracy Alliance, 46% das pessoas são alvo de malware e 44% sofrem roubo de identidade; já de acordo com a Digital Citizens Alliance, 72% dos que fazem pagamentos com cartão nestas plataformas acabam vítimas de fraude bancária. Por sua vez, 57% das apps ilegais de IPTV contêm vírus e malware, como atestou o referido relatório da Audiovisual Anti-Piracy Alliance.
Não obstante a gravidade do problema, a perceção generalizada é a de que o combate à pirataria é lento e ineficaz – e continua por adotar o princípio de que o que é ilegal offline deve ser ilegal online. A pirataria audiovisual é crime e, no combate à criminalidade, é fundamental que ninguém fique de fora, nem os prestadores de serviços em linha (ISP) nem as redes privadas virtuais (VPN).
É urgente reformular o edifício legislativo português e as práticas correntes por parte das autoridades competentes, com base em quatro pontos fundamentais: 1) sensibilizar os utilizadores para a ilicitude e os riscos da pirataria; 2) identificar sistematicamente e penalizar a difusão e exploração de conteúdos ilegais via plataformas de streaming/IPTV; 3) notificar e advertir os consumidores como primeira medida dissuasora; 4) aplicar sanções pecuniárias simples e céleres aos utilizadores reincidentes.
Vários países europeus — Alemanha, Espanha, França, Grécia, Dinamarca e Itália — já implementaram sistemas eficazes, com diferentes modelações, de “Cease & Desist”, o qual consiste em alertas formais ao consumidor, supervisionados por autoridades competentes. Em Portugal, esta função caberia à Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC), nunca aos operadores de comunicações eletrónicas, como equivocadamente se quer fazer crer. Os dados mostram que o consumo ilegal per capita é significativamente menor nos países que adotaram estas ferramentas. Por que razão não se avança também por cá?
Paralelamente, e em sentido contrário ao que sucede em diversos países da UE, Portugal continua sem qualquer entidade reconhecida como trusted flagger (sinalizador de confiança), ou seja, como um interlocutor escrutinado pelo coordenador nacional e, como tal, credenciado e fiável, que poderá tornar mais expedita a reação e intervenção das plataformas em caso de difusão de conteúdos ilegais. Ao abrigo do Digital Services Act, a designação de trusted flaggers compete à ANACOM, que, apesar das diversas solicitações, ainda não atribuiu esse estatuto a nenhum organismo.
Numa economia cada vez mais assente no digital, a proteção da propriedade intelectual, a sustentabilidade das indústrias criativas, a preservação de milhares de postos de trabalho e a segurança das nossas contas e aparelhos não são questões negligenciáveis. Exigem uma estratégia concertada e ações firmes de todos. Também nesta luta a APRITEL e o setor das comunicações eletrónicas dizem presente, contribuindo para que tenhamos legislação adequada e colaborando com as autoridades na deteção de atividades ilegais e na execução imediata de pedidos autorizados para pôr fim a tais práticas.